sábado, 10 de agosto de 2013

Conto de liberdade


Era madrugada e a fina neblina começava debruçar sobre as plantas e a relva fina umidificava toda a floresta, quando um barulho estancou o canto dos pássaros que partiram em revoada. José e João cortavam a mata em disparada e o barulho dos gravetos e folhas secas podia ser ouvido a distancia. José ofegante falava como se gritasse aos sussurros:
- Corre! João corre! Falta pouco
João corria sem responder aos chamados de Jose, faltava pouco, não mais que quinhentos metros para chegarem ao grande muro que o levaria a liberdade, então continuaram correndo e rasgando o peito em meio aos arbustos chegaram ao grande muro. João ainda ofegante encostou-se ao muro para tomar folego e minutos depois entrelaçou os dedos inclinando-se para baixo a fim de auxiliar Jose na escalada do grande muro. José tomou impulso agarrou-se e em menos de um minuto estava no topo do grande muro, apoiou-se travando as pernas no muro e inclinou-se a fim de puxar o amigo muro a cima, no entanto quando correu os olhos na direção do amigo perplexo viu João sentado de cabeça baixa como se tivesse pensando em algo, José desesperado gritou:
- Venha João! Logo vamos!
João então elevou a cabeça e olhando direto nos olhos de José disse:
- Vá José, eu não vou.
José atônito, não podia acreditar na cena, tanto sacrifício e planejamento e no momento em que estavam à segundos da liberdade seu amigo tomará tal atitude.
- Você enlouqueceu, disse José sem crer no que estava acontecendo.
Foi quando João tornou a levantar os olhos na direção do amigo e respondeu com ternura:
- Não irmão, não enlouqueci ao contrario, nunca estive tão lúcido e olhando para o amigo disse:
- Olhe para nós
E neste momento, correu os olhos na direção das algemas que prendia suas mãos e logo depois virou em direção do amigo que com as mãos algemadas as esticava em sua direção e disse:
- Saltar para o outro lado não nos libertará José.
Deu um sorriso amarelo e com um olhar compenetrado fitou os olhos de José, como que tivesse transpassado por dentro de sua alma e disse em tom firme e seguro:
-Não é essa liberdade que quero
E continuou:
- José olhe para mim, a vida toda estive preso
Depois passou a mão sobre o rosto que já apresentava a umidade das lagrimas que corriam de seus olhos e continuou a falar
- Sempre fui prisioneiro dos meus desejos desenfreados e hoje estou aqui ainda preso a tudo, preso a valores que nem sei se vale a pena alimenta-los, presos ao meu passado que me corrói diariamente na lembrança do que fui e preso ao futuro do que virei a ser, preso a minha intolerância a minha vaidade ao meu apego, preso a tudo. Não José, eu não vou, vá só.
José ainda que atordoado com que estava acontecendo, não conseguiu deixar de pensar no que João acabara de dizer, foi quando ouviu de novo a voz de João novamente em um tom tranquilo e sereno:
- José meu amigo, vou ficar, pois quero encontrar a liberdade que procuro fugir não me ajudará em nada, vou procurar uma liberdade que transcende a liberdade que me apresentaram até aqui, pois o que transcende não pode ser encontrado aqui nesta liberdade limitada pelo desejo humano, o que transcende ultrapassa o esperado, quero uma liberdade que realmente liberte-me e hoje compreendo que preciso primeiro libertar minha alma antes de libertar minhas mãos e pés, tenho que libertar meu coração antes de transpor os muros e grades físicos e materiais, tenho que libertar meu espirito para me libertar dos medos e da morte.
Olhou então para as algemas que marcavam seus pulsos e novamente falou:
- Vá meu amigo
José então aplumou-se no muro e perguntou a João
- Essa liberdade que você procura não é utópica?
João então sorriu com ternura e respondeu com outra pergunta:
- A minha ou a sua?
Diante da resposta de João, José desceu do muro e sentou-se ao lado de João enquanto ouviam os guardas aproximarem com os cachorros farejadores e disse com um sorriso no rosto:
- Acho que você tem razão é a minha.

                                         João Bosco Tavares